O setor de tecnologia, antes símbolo do progresso e da inovação global, enfrenta uma reconfiguração dramática desde 2022. O ciclo de crescimento acelerado impulsionado pela pandemia deu lugar a uma onda de demissões em massa que, em 2025, atinge níveis alarmantes.
De acordo com dados do site especializado Layoffs.fyi, mais de 650 mil profissionais foram desligados globalmente entre 2022 e maio de 2025, em um movimento que começou no Vale do Silício e hoje atinge também empresas brasileiras.
Gigantes em movimento: Microsoft, IBM lideram nova onda de cortes
A Microsoft anunciou recentemente uma nova rodada de demissões que afetará 3% de suas posições em escala global, resultando em aproximadamente 6.800 funcionários desligados. Essa medida ocorre menos de um ano após a empresa cortar 10.000 empregos. Segundo a companhia, os cortes são parte de um “realinhamento estratégico” para focar em áreas de maior crescimento, especialmente inteligência artificial.
Ainda mais impactante, a IBM demitiu cerca de 8.000 funcionários com o objetivo declarado de substituí-los por sistemas de Inteligência Artificial. No entanto, em uma reviravolta inesperada, a empresa precisou recontratar parte desses profissionais depois que a implementação da IA não atendeu às expectativas operacionais iniciais, expondo os riscos da transição acelerada para automação.
Entre outros cortes emblemáticos estão os da Meta (Facebook), que anunciou a demissão de 3.600 funcionários apenas em 2025, o que representa cerca de 5% de sua força de trabalho, além da Amazon, que cortou 27 mil postos em 2023. Google, Dell, Spotify, Salesforce e outras gigantes também revisaram suas estruturas, reduzindo equipes de tecnologia, marketing, vendas e até produtos – áreas antes vistas como intocáveis.
Embora os cortes tenham sido bem recebidos pelo mercado financeiro – as ações de várias dessas companhias reagiram positivamente após os anúncios –, os impactos humanos são severos. Um estudo da McKinsey & Company mostra que mais de 60% dos profissionais de tecnologia relataram aumento nos níveis de estresse desde o início dessa onda de demissões, o que levanta um alerta para o risco de burnout e insegurança crônica no setor.
O dilema da substituição por IA
O caso da IBM ilustra um novo fenômeno no mercado: empresas que demitem profissionais para substituí-los por sistemas de inteligência artificial, mas encontram desafios inesperados. “O que estamos vendo é uma corrida impulsionada por pressões financeiras de curto prazo, não necessariamente por uma visão estratégica de longo prazo”, explica Sylvestre Mergulhão, CEO da Impulso, people tech especializada em produtividade e reestruturação de equipes.
O executivo acrescenta que “as empresas estão descobrindo da maneira mais difícil que a IA ainda não é uma substituição direta para o conhecimento humano acumulado, especialmente em funções que exigem tomada de decisão complexa e experiência contextual”.
Brasil entra na conta
O movimento dos desligamentos chegou com força ao Brasil em 2025. Startups e scale-ups nacionais iniciaram reestruturações relevantes, impactadas pela queda nos aportes de venture capital, o avanço da inteligência artificial, a pressão por eficiência operacional e a busca por modelos de negócio sustentáveis.
“O modelo de gestão das big techs envelheceu. Crescer a qualquer custo virou um atalho para a ineficiência“, critica o CEO. “Estamos falando de empresas que inflaram times sem estratégia real. Quando o mercado apertou, cortaram como se estivessem limpando a planilha – e não reorganizando o negócio. Isso não é gestão, é desespero financeiro disfarçado de eficiência.”
Mergulhão também aponta que o modelo que predominou nos últimos anos privilegiava metas agressivas, equipes inchadas e pouca atenção à sustentabilidade de longo prazo. “O gestor que só foca em crescimento rápido, sem cuidar da base, está criando uma bomba-relógio.”
Solução: menos RH tradicional, mais squads e dados
Segundo o executivo, empresas que desejam sobreviver a essa nova era precisam apostar em estruturas mais ágeis e adaptáveis. “É hora de repensar o RH. Squads sob demanda, formações contínuas e gestão baseada em dados são o caminho. Quem insistir no modelo tradicional vai continuar demitindo.”
Ele alerta ainda para o risco da desumanização: “As demissões em massa viraram uma métrica de desempenho, quando deveriam ser uma medida de falha estrutural. Pessoas não são números. A conta da má gestão está sendo paga por quem mais precisa de estabilidade.”
Especialistas estimam que o movimento deve continuar em 2025, embora com ritmo mais seletivo. O cenário impõe a necessidade de uma nova mentalidade de gestão, com foco em resultados reais, estruturas enxutas e saúde organizacional.