A comunicação não violenta (CNV), muitas vezes associada ao diálogo empático e respeitoso, tem ganhado espaço nas discussões sobre cultura organizacional e relações de trabalho. Não é à toa: segundo uma pesquisa da Robert Half, ambientes de trabalho que promovem bem-estar e qualidade de vida são 86% mais produtivos e 70% mais rentáveis. Já as empresas com ambientes tóxicos perdem seus talentos e sua competitividade.
A CNV chega como um contraponto a culturas organizacionais desconfortáveis; no entanto, o uso distorcido desse conceito pode abrir caminho para práticas manipulativas que minam a confiança e distorcem a verdade dentro das empresas — o que pode levar a situações perigosas, desde fraudes até casos de assédio, sendo encobertos.
Alessandra Costa, psicóloga e sócia da S2 Consultoria, empresa especializada na gestão de comportamento de risco, acende o alerta para esse tipo de prática. “O problema não está na comunicação não violenta em si, mas no uso instrumentalizado de uma linguagem supostamente empática para evitar conflitos ou encobrir comportamentos questionáveis. Quando o discurso do bem é usado para mascarar a verdade, ele se torna parte do problema, e não da solução”, explica.
A empresa, embora não atue diretamente com a implementação de práticas de comunicação não violenta, consegue identificar a diferença entre discursos genuínos e manipulativos durante investigações específicas e aplicação de seu teste de integridade, o PIR (Potencial de Integridade Resiliente).
A identificação desse tipo de comportamento exige uma análise técnica e contextualizada. “Nosso foco está na detecção de comportamentos de risco que comprometam a ética corporativa. Em casos de assédio, por exemplo, uma comunicação manipulativa pode aparecer como parte do problema. Nossos especialistas são treinados para detectar inconsistências e estratégias de distorção da verdade nesses contextos”, afirma a especialista.

Alessandra Costa, psicóloga e sócia da S2 Consultoria
No dia a dia, pode ser mais difícil identificar a distorção. Como a ideia da comunicação não violenta é garantir um ambiente positivo, é preciso ter muita atenção se as ações se alinham com a fala. Alessandra reforça que ambientes com baixa maturidade em gestão de conflitos ou que ignoram problemas em prol da “aparência” tendem a favorecer a perpetuação de comportamentos de risco.
“Quando a comunicação é usada para esconder a verdade, ela se torna um ruído tóxico. Empresas que permitem esse tipo de falsidade correm o risco de normalizar relações baseadas no medo, na omissão e na desconfiança”, aponta a psicóloga.
As consequências, então, se tornam severas: pode ocorrer a deterioração do clima organizacional, quebra de confiança nas lideranças, e uma cultura permissiva a abusos velados. Quando essas situações ocorrem mesmo com uma linguagem supostamente empática, é um indicativo claro que a comunicação não se alinha à prática.
O que pode ser feito?
Para Beatriz Nóbrega, conselheira consultiva, CHRO e especialista em transformação organizacional via evolução cultural, a comunicação não violenta (CNV) é uma ferramenta poderosa para criar gestões mais empáticas e estratégicas, com impacto direto na produtividade e no engajamento das equipes. “O diálogo consciente, baseado em empatia e escuta ativa, não apenas resolve conflitos, mas transforma desafios internos em oportunidades de inovação e colaboração”, afirma.
De acordo com a especialista, a CNV deve ser incorporada de forma prática e contínua pelos líderes. Um dos primeiros passos, segundo ela, é o treinamento para que as lideranças desenvolvam habilidades de escuta ativa e empatia. “Muitos líderes acreditam que ouvir é algo passivo, mas, na verdade, a escuta ativa exige atenção, análise e uma resposta construtiva”, afirma.
Ela cita como exemplo uma situação comum em feedbacks: em vez de apontar erros de forma direta e punitiva, a CNV orienta os líderes a exporem suas observações de maneira construtiva, focando em soluções. “Quando o colaborador entende que o feedback não é um ataque, mas uma oportunidade de crescimento, ele se sente motivado a melhorar”, explica.

Beatriz Nóbrega, conselheira consultiva, CHRO e especialista em transformação organizacional
Outro aspecto importante da comunicação não violenta é seu impacto na qualidade das decisões organizacionais. Beatriz explica que líderes que adotam a CNV tendem a considerar diferentes perspectivas antes de tomar decisões, o que reduz o risco de erros e aumenta a aceitação das medidas.
“Quando as pessoas sentem que suas opiniões foram levadas em conta, mesmo que a decisão final não seja a esperada, elas tendem a aceitar melhor as mudanças. Isso cria uma cultura de colaboração, na qual todos trabalham em direção aos mesmos objetivos”, afirma.
Com um ambiente de trabalho mais colaborativo e equipes engajadas, a CNV se apresenta como uma ferramenta essencial para enfrentar os desafios de um mercado dinâmico e competitivo. Como conclui a especialista, “não se trata apenas de falar, mas de construir conexões reais por meio da comunicação”.