Será que ainda estamos contratando líderes que dominam o idioma do setor ou que têm vocabulário suficiente para traduzir e transformar contextos?
Imagine a cena: você é jogado em uma reunião onde cada pessoa fala um idioma diferente — sem tradutores, sem intérpretes. A confusão seria inevitável! E é essa sensação que muitos líderes enfrentam todos os dias, enquanto tentam navegar entre diferentes áreas, perfis de times e contextos organizacionais. A linguagem que funciona bem em um setor, simplesmente não consegue comunicar em outro.
E, ainda assim, seguimos contratando líderes como se todos falássemos o mesmo idioma. Mas, e se começássemos a contratar líderes não apenas pela indústria de origem, mas pela capacidade de traduzir, adaptar e conectar diferentes linguagens de liderança?
Quantas vezes você já ouviu o pedido: “Precisamos de alguém com experiência no nosso setor?” ou “De preferência, traga um profissional ou uma profissional da concorrência?” Essa exigência até parece lógica. Afinal, alguém que conhece os “jargões”, processos e códigos da sua indústria chegaria com uma curva de aprendizagem bem mais acelerada.
Mas essa lógica também limita. Cada setor desenvolve sua própria linguagem de liderança — com regras não ditas sobre como comandar, escutar, decidir, errar, colaborar. Por exemplo, o que é reconhecido, tradicionalmente:
- No varejo, o ritmo é urgente. Liderar é decidir rápido, manter o time engajado sob pressão e saber resolver problemas de forma pragmática. É uma linguagem de agilidade, energia e ação imediata.
- Na indústria farmacêutica, o tom é mais técnico e regulatório. Liderar exige precisão, responsabilidade e articulação entre áreas científicas e comerciais, por exemplo.
- Na tecnologia, a comunicação tende a ser horizontal, baseada em dados e com abertura ao erro como parte do processo criativo. É uma linguagem de inovação, iteração e aprendizado constante.
- No setor financeiro, a liderança é muitas vezes orientada ao desempenho, com foco em métricas, compliance e decisões embasadas. É uma linguagem de cálculo, confiança e solidez.
- Em organizações sociais ou do terceiro setor, liderar é, acima de tudo, mobilizar. A linguagem aqui é de propósito, conexão e escuta ativa.
Cada uma dessas linguagens carrega também alguns códigos culturais. E o que funciona bem em um contexto, pode parecer estranho (ou até ineficaz) em outro. O problema é quando essas diferenças viram justificativas para descartar talentos com base apenas em sua experiência setorial. E se, ao fazer isso, estivermos deixando de fora líderes que são realmente capazes de conectar mundos tão diferentes e que podem traduzir com eficiência estratégias entre áreas que não se entendem?
Dominar diferentes linguagens é sobre reconhecer que liderança não é um idioma universal, único. Ser líder é ser um poliglota que se adapta, com diferentes formas de se comunicar, influenciar e gerar impacto, dependendo do ambiente e das pessoas ao seu redor.
Na prática, o líder poliglota usa uma linguagem objetiva, com foco em entregáveis e clareza sobre próximos passos em suas interações com times técnicos. Já em rodadas com investidores ou reuniões com o conselho, tem fluência na linguagem estratégica e numérica, e comunica visão e controle. Em momentos de crise, usa outro idioma, mais empático, acolhedor. Com clientes, sua comunicação é construtiva, adaptando-se à realidade deles.
Liderar bem é saber alternar entre as mais variadas e complexas linguagens, e não aplicar o mesmo “dialeto” para todo mundo. E claro, ter sensibilidade para ler e perceber o que o contexto está pedindo, e ter repertório e “riqueza de vocabulário” para ajustar sua forma de se expressar constantemente.
A fluência em linguagens de liderança pode ser, hoje, uma competência que diferencia bons gestores de líderes que são verdadeiramente transformadores. E você, conhece líderes poliglotas?
Andréa Dietrich, Cofundadora da Ambidestra, estrategista de transformação digital, Linkedin Creator, podcaster e palestrante. Lilian Cruz, Cofundadora da Ambidestra, podcaster e speaker, consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação. São colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.