Por anos, celebramos o avanço das empresas que colocaram o propósito no centro de suas estratégias. Falamos sobre ESG, impacto positivo e o papel das marcas na transformação do mundo. E esse movimento segue sendo necessário. Mas 2025 nos confronta com um novo ponto de inflexão, revelado de forma contundente pelo relatório Edelman Trust Barometer: as prioridades individuais mudaram.

A edição de 25 anos do estudo anual que avalia a confiança nas instituições, apresentada em Cannes e com uma análise dedicada ao Brasil, revela uma sociedade emocionalmente esgotada e pessimista, abalando o crescimento e a inovação. A pandemia, os conflitos geopolíticos, a polarização, a insegurança econômica e a desinformação em escala industrial criaram um acúmulo de tensões que se traduziu em uma nova urgência: antes de se engajar com grandes causas, as pessoas querem se sentir seguras.

Há uma “crise do ressentimento” e de confiança em curso.

Em números, isso se expressa em dados representativos: no Brasil, 63% dos entrevistados dizem temer sofrer preconceito, discriminação ou racismo. E ainda, 72% dos brasileiros acreditam que líderes empresariais estão mentindo para eles. E o dado mais simbólico talvez seja este: quase um terço da população brasileira acredita que formas de protesto hostis são aceitáveis para provocar mudanças.

Esse medo, essa tensão, esse estado de alerta emocional constante, não ficam do lado de fora das empresas. Eles atravessam as catracas todos os dias e se instalam no clima organizacional, afetando confiança, performance e pertencimento. As pessoas não querem mais mudar o mundo se ainda não se sentem protegidas dentro dele.

Nesse cenário, as empresas e ONGs emergem como os únicos pilares de confiança institucional para a população. De acordo com o estudo, 62% dos brasileiros confiam nas empresas, contra apenas 46% na mídia e 39% no governo. Isso pode transformar as organizações privadas em ilhas de estabilidade emocional em meio a um ambiente social inseguro.

O ambiente de trabalho se tornou um território no qual as pessoas buscam abrigo psicológico, simbólico e relacional. Por isso não basta mais falar sobre diversidade e segurança psicológica como valores abstratos ou como parte de compromissos institucionais, é preciso atuar com consistência, porque estamos lidando com a construção de culturas organizacionais dentro de uma sociedade ferida.

As empresas que compreenderem esse deslocamento, do discurso coletivo para a dor individual, estarão mais preparadas para o presente e o futuro. Porque ambientes de alta performance, criatividade e inovação nascem da confiança. E a confiança começa com uma pergunta fundamental: as pessoas que trabalham aqui se sentem seguras para existir?

Seguras para discordar, para errar, para demonstrar vulnerabilidade, para trazer suas histórias reais, não só suas competências técnicas.

Criar esse tipo de segurança nasce de lideranças capazes de escutar sem julgamento, que defendem interesses comuns e impulsionam o otimismo. De culturas organizacionais que não toleram micro agressões, que não escondem o jogo, que respeitam seus colaboradores e clientes. De processos que reparam, e não apenas punem. De ambientes onde a diversidade não serve apenas aos relatórios, mas transforma relações, decisões e perspectivas.

As empresas não vão curar sozinhas os traumas sociais, mas podem, sim, evitar ser mais uma fonte deles. Quando as instituições não são confiáveis, o ressentimento se intensifica ainda mais e as perspectivas se enfraquecem.

O novo papel estratégico das lideranças e dos times de pessoas pode ser devolver às pessoas o direito de se sentirem vivas, inteiras e respeitadas. É só quando há confiança, cuidado e pertencimento que voltamos a sonhar grande, de dentro para fora, e não o contrário.

Andréa Dietrich, Cofundadora da Ambidestra, estrategista de transformação digital, Linkedin Creator, podcaster e palestrante. Lilian Cruz, Cofundadora da Ambidestra, podcaster e speaker, consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação. São colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.