FGTS: da proteção ao trabalhador à popularidade política e o novo “Crédito do Trabalhador”
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é um importante benefício na vida do trabalhador brasileiro. Criado em um contexto de instabilidade e insegurança no mercado de trabalho, o FGTS surgiu como uma ferramenta de proteção social, garantindo uma reserva financeira em caso de demissão sem justa causa.
No entanto, ao longo dos anos, a dinâmica política em busca por popularidade social tem influenciado a forma como o FGTS é utilizado, assim como o próprio questionamento da sociedade acerca da liberação do saldo e flexibilizações de acesso que, embora possam trazer alívio imediato, exigem cautela e planejamento.
O cenário Pré-FGTS
Antes do FGTS virar realidade, a vida do trabalhador era bem incerta. Assim, a única segurança era a tal da “estabilidade decenal”: 10 anos na empresa e você ficava “intocável”, só podendo ser demitido por justa causa, e olhe lá!
Com efeito, se a empresa te mandasse embora antes, tinha que desembolsar um valor expressivo de indenização, especificamente um salário por ano trabalhado.
Pensa num custo!
E aí é que tava o problema: muitas empresas davam um jeito de demitir antes dos 10 anos ou simplesmente não pagavam a indenização, deixando o trabalhador “a ver navios” e tendo que correr atrás dos seus direitos na justiça.
Com isso, dá-lhe custas processuais e mais volume de reclamações trabalhistas (coisa que o Brasil quase não tem, não é mesmo?! #contémironia). Essa situação era tão delicada que o governo resolveu criar o FGTS.
O governo propôs uma opção mais segura para o trabalhador, permitindo que ele escolhesse entre o FGTS e a estabilidade decenal. No entanto, essa escolha não funcionava adequadamente e, com o tempo, tornou-se obrigatória.
Assim nasce o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, por meio da Lei no 5.107, de 13 de setembro 1966, pelo então presidente da República, o Marechal Castelo Branco.
Um breve recorte para sanar dúvidas recorrentes
- E não, ele não é descontado da folha do empregado, é demonstrado na folha, mas o custo é do empregador.
- E sim, é de 8% para os CLTs e 2% para os aprendizes.
Não, estagiário não é empregado (assim como PJ) por isso não recolhe FGTS para esse vinculo de trabalho. - Sim, no passado não tão distante (2019) a multa era de 50%, sendo 40% para o empregado e 10% como contribuição social. Agora prevalece somente os 40% de multa.
- E no caso de demissão por acordo consensual, a multa cai para 20% e o empregado tem acesso apenas a 80% do saldo.
- Com os depósitos mensais a título de FGTS, o trabalhador pode usar em casos de demissão, doença grave, compra da casa própria e outras situações de aperto.
Voltemos ao artigo:
A popularidade política e a flexibilização do FGTS
Nos últimos anos, temos observado um fenômeno interessante: a utilização do FGTS como ferramenta de política econômica e de busca por popularidade. Em momentos de crise ou de baixo crescimento econômico, o governo tem recorrido à liberação de saldos do FGTS como forma de injetar recursos na economia e estimular o consumo.
Saque emergencial, saque aniversário e agora, crédito do trabalhador, são alguns exemplos que tivemos nos últimos anos. Embora essas medidas possam trazer um alívio imediato para o trabalhador e impulsionar o consumo, é preciso ter cautela.
A utilização indiscriminada do FGTS pode comprometer a sua função original de proteção social e de garantia financeira em momentos de necessidade.
Pesquisas recentes, como a divulgada pelo Datafolha em fevereiro de 2025, mostram que a aprovação do governo está diretamente relacionada à percepção da população sobre a situação econômica do país.
Em tempos de crise, o governo busca melhorar sua avaliação ao liberar saldos do FGTS. Essa medida também oferece uma solução prática para problemas financeiros da população, como inadimplências, dívidas, uso do cheque especial, empréstimos pessoais e financiamentos. Além disso, ao analisar os juros envolvidos, essa estratégia pode ser considerada uma boa alternativa para aliviar essas dificuldades.
De acordo com o ministro Fernando Haddad, cerca de 47 milhões de pessoas atualmente pagam mais de 5% ao mês em juros no crédito pessoal. Com a garantia que será oferecida, as taxas podem diminuir em até 50% ou mais, o que representa um alívio financeiro significativo.
Essa não é uma proposta ruim. Entretanto, é essencial alertar sobre o perigo do uso do saldo para a compra de itens supérfluos. Isso pode comprometer uma reserva importante, destinada a momentos de desemprego, em troca da satisfação imediata de algo não urgente.
FGTS em momentos de desemprego: uma rede de proteção
É fundamental reforçar que a principal função do FGTS é amparar o trabalhador em um dos momentos mais difíceis de sua vida: o desemprego. Ao ser demitido sem justa causa, o trabalhador tem o direito de sacar o saldo do FGTS, acrescido de uma multa rescisória paga pelo empregador.
O trabalhador pode usar esses recursos para pagar as contas, manter a família e buscar um novo emprego com mais tranquilidade. Por essa razão, é crucial que ele conheça seus direitos e utilize o FGTS de forma consciente e responsável. Caso recorra ao empréstimo do crédito vinculado ao FGTS, até 10% do saldo, 100% do valor da multa ou as verbas rescisórias poderão ser comprometidas, dentro dos limites legais estabelecidos.
Ou seja, importante impacto financeiro num momento delicado e, aqui cabe um alerta: essa dívida já estará quitada no momento da demissão ou terá parcelas em aberto a pagar?
Além do desemprego, contraí uma dívida. Cuidado!
O “Crédito do Trabalhador”: uma nova opção com respaldo do FGTS
Agora que já entendemos o que é o FGTS e a sua importância vamos ao “Crédito do Trabalhador”, o ex eConsignado. Em um cenário de busca por soluções para impulsionar a economia e facilitar o acesso ao crédito, o governo federal lançou o “Crédito do Trabalhador”, uma linha de crédito consignado com juros mais baixos, com o pagamento que poderá ser mais longo, utilizando o FGTS como garantia.
Essa iniciativa visa oferecer condições mais vantajosas para os trabalhadores que necessitam de empréstimos, mas é fundamental entender como ela funciona e quais são os cuidados necessários.
Como vai funcionar?
O trabalhador poderá comprometer até 35% do salário mensal para o pagamento das parcelas do empréstimo, podendo dar como garantia até 10% do saldo do FGTS e 100% do valor da multa em caso de demissão.
Quem terá direito?
O Crédito do Trabalhador estará disponível para trabalhadores com carteira assinada que possuam saldo no FGTS. Os critérios de elegibilidade e as condições do empréstimo serão definidos pelos bancos participantes.
Quantos bancos participarão?
A estimativa é que mais de 80 Instituições financeiras estejam habilitadas.
Como solicitar?
Por meio do app da Carteira de Trabalho Digital (CTPS Digital), o trabalhador tem a opção de requerer a proposta de crédito. Para isso, seguindo as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), autoriza as instituições financeiras habilitadas pelo Ministério do Trabalho a acessar dados como nome, CPF, margem do salário disponível para consignação e tempo de empresa. A partir da autorização de uso dos dados, o trabalhador recebe as ofertas em até 24h, analisa a melhor opção e faz a contratação no canal eletrônico do banco.
Como será feito o desconto das parcelas?
As parcelas do empréstimo serão descontadas na folha do trabalhador mensalmente, por meio do eSocial, observada a margem consignável de 35% do salário. Após a contratação, o trabalhador acompanha mês a mês as atualizações do pagamento. A partir de 25 de abril, o trabalhador também poderá fazer contratações pelos canais eletrônicos dos bancos.
Quando o Crédito do Trabalhador estará disponível?
A partir de 21 de março de 2025.
Se eu já tiver um consignado, posso migrar?
Os trabalhadores que já tem empréstimos com desconto em folha podem migrar o contrato existente para o novo modelo a partir de 25 de abril deste ano.
Em caso de demissão, como ficam as parcelas devidas?
No caso de desligamento, o desconto será aplicado sobre as verbas rescisórias, observado o limite legal.
Alerta: Cuidado com o endividamento desnecessário!
É fundamental que o trabalhador avalie cuidadosamente a necessidade de contratar um empréstimo antes de aderir ao Crédito do Trabalhador.
É importante analisar as condições do empréstimo, como os juros, o prazo de pagamento e o valor das parcelas, e verificar se o compromisso financeiro cabe no orçamento familiar.
Evite solicitar empréstimos por impulso ou para fins supérfluos.
Considere analisar os descontos que já ocorrem em folha, de modo a não comprometer suas responsabilidades regulares, como descontos de INSS, IR, VT, VA, VR, Odonto, plano de saúde, coparticipação. Faltas impactam no saldo de salário, pois podem refletir no desconto de DSR, elevando ainda mais os descontos na folha de pagamento.
Considere também as suspensões contratuais que podem ocorrer, como férias, em que não haverá saldo de salário na folha de pagamento para debitar o valor.
Faça um mapeamento a curto e médio prazo, observando com clareza os impactos imediatos e após alguns meses, diretos na folha de pagamento e os que não estão lá. Como por exemplo: IPTU, IPVA, rematrícula escolar e correlatos.
Ou seja, antes de contrair o empréstimo responda as perguntas:
- É urgente?
- É realmente necessário?
- Já revisitei os descontos que tenho em folha de pagamento e os compromissos fora dela para compreender os impactos financeiros reais que terei?
Ciente das respostas, você poderá seguir (ou não) com mais clareza.
Alerta contra fraudes!
Esteja atento a possíveis fraudes e golpes relacionados ao Crédito do Trabalhador.
Não forneça seus dados pessoais ou bancários para pessoas desconhecidas e desconfie de ofertas milagrosas, links suspeitos ou promessas de facilidades.
Em caso de dúvidas, procure um dos bancos participantes ou entre em contato com a Caixa Econômica Federal.
Para o RH
Como operacionalizar nas empresas?
A implementação do Crédito do Trabalhador trará novas responsabilidades para as empresas, especialmente para a área de Recursos Humanos (RH).
Sim RH, você piscou e já tem mais demanda caindo para você!
Será fundamental que o RH esteja preparado para lidar com a demanda operacional das solicitações de empréstimo e para garantir o correto lançamento dos descontos na folha de pagamento dos trabalhadores.
Caso não haja a terceirização de contabilidade para o envio das obrigações trabalhistas no eSocial, esse artigo pode te ajudar a entender como os lançamentos ocorrerão, no entanto, estude profundamente e crie um procedimento na sua área, de modo a tornar a rotina fluída e organizada.
Havendo contabilidade, marque uma reunião e alinhem como funcionará o fluxo operacional, principalmente a respeito de quem será a responsabilidade de consultar o DET.
Atenção ao DET e ao portal Emprega Brasil
As empresas serão informadas sobre a concessão dos empréstimos através de notificações no Domicílio Eletrônico Trabalhista (DET). Ou seja, precisam estar atentar a consultar com certa regularidade.
O detalhamento das informações, como o valor do empréstimo, o número de parcelas e o valor do desconto mensal, estará disponível no portal Emprega Brasil.
Lançamento na Folha de Pagamento e eSocial
O RH deverá baixar o arquivo com as informações do empréstimo no portal Emprega Brasil e importar esses dados para o sistema de folha de pagamento. O desconto referente à parcela do empréstimo deverá ser lançado na folha de pagamento do trabalhador e informado no eSocial.
Guia do FGTS digital
O valor do desconto referente ao Crédito do Trabalhador será tratado na guia do FGTS Digital. É fundamental que o RH esteja atento aos prazos e procedimentos para garantir o correto recolhimento dos valores, pois conforme previsto na Portaria MTE nº 435 de 20 de março de 2025:
§3º Na hipótese de inadimplência ou quaisquer outras irregularidades no processo de quitação das parcelas de crédito consignado retidas, deverá o empregador acionar os canais de atendimento das instituições consignatárias para a devida regularização, inclusive com a responsabilidade pelos recolhimentos de juros e encargos devidos pelo atraso.
A atualização do FGTS digital aprimorou a plataforma, permitindo a emissão da guia apenas para os empréstimos. Assim, a empresa pode pagar separadamente do recolhimento mensal.
Conclusão
FGTS, crédito e a responsabilidade de cada um
O FGTS continua sendo um importante instrumento de proteção social e de garantia financeira para o trabalhador brasileiro. As liberações de saldo e as flexibilizações de acesso, embora possam trazer alívio imediato, exigem cautela e planejamento.
O Crédito do Trabalhador surge como uma nova opção para facilitar o acesso ao crédito, mas é fundamental avaliar cuidadosamente a necessidade de contratar um empréstimo e estar atento a possíveis fraudes.
A popularidade política influencia o uso do FGTS. No entanto, o governo deve adotar uma postura responsável e transparente, informando claramente os riscos e benefícios de cada medida.
Responsabilidade no uso do FGTS
O trabalhador, por sua vez, deve conhecer seus direitos e utilizar o FGTS de forma consciente e responsável, priorizando a proteção em momentos de necessidade e evitando o endividamento desnecessário.
E as empresas, através de seus departamentos de RH, precisam estar preparadas para lidar com as novas demandas operacionais e garantir o correto cumprimento das obrigações legais.
O futuro do FGTS e do Crédito do Trabalhador depende da responsabilidade e do compromisso de cada um: governo, trabalhadores e empresas.
Somente assim poderemos garantir que esses instrumentos cumpram o seu papel de proteger o trabalhador, impulsionar a economia e promover o desenvolvimento social do país.
Em tempo: Procedimentos relacionados ao crédito do trabalhador estarão passíveis de regulamentação adicional | Demandas operacionais nas empresas poderão ser passíveis de ajustes.
Por Bianca Paixão, fundadora da BRH Consult. Formada e possui mais de 10 anos de experiência na área de Recursos Humanos, aplicando rotinas de ESG focadas em RH. Possui extensão em Gestão de Pessoas por Competências, RH Estratégico, Cálculos e Compliance Trabalhista. Atualmente, é graduanda em Direito e tem visão generalista em todos os subsistemas da área, a qual dedica-se a transformar as relações profissionais por meio de uma gestão de pessoas completa e eficaz. Suas soluções em gestão de pessoas vão desde o recrutamento estratégico até a simplificação da complexidade trabalhista.
🎧 Ouça o episódio 188 do Podcast RH Pra Você Cast:
“Empregabilidade universitária: construção de pontes para o jovem no mercado”
A Inquietação da Geração Z
A Geração Z é ávida por impacto e pronta para deixar sua marca no mercado de trabalho. No entanto, as empresas parecem não acompanhar seu ritmo de empolgação. Com efeito, dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que 86% dos jovens ocupam funções pouco desafiadoras. Além disso, a taxa de desocupação entre o público de 18 a 24 anos preocupa, sendo o dobro da média nacional.
O Chamado à Mudança
Diante desse panorama, é imperativo promover transformações. Então, quem melhor para entender esse público do que especialistas dedicados? Neste episódio, conversamos com Roberta Saragiotto, Diretora de People e Strategy da Start Carreiras, para descobrir como a empresa se tornou protagonista na empregabilidade jovem.
Destaque e Impacto
Roberta compartilha insights sobre estratégias eficazes para engajar e preparar a Geração Z para o mundo profissional. Confira abaixo:
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