Mariana encara o trabalho como um jogo de equilíbrio – entre o que precisa e o que oferece. Ontem, tudo parecia extremamente angustiante e talvez as principais razões nem estivessem no trabalho, mas em sua vida pessoal. No ambiente de trabalho, o barulho dos colegas, a pressão pelos prazos, a falta de reconhecimento, as conversas paralelas e sua própria insegurança estavam se tornando insuportáveis, evidenciando como a falta de políticas de bem-estar corporativo pode afetar diretamente o dia a dia dos colaboradores.

Há tempos tentava ignorar e focar no essencial, mas a cada interrupção, revirava os olhos, respirava fundo e respondia como se o mundo lhe devesse algo.

Bem-estar corporativo: equilíbrio entre produtividade e saúde

Ontem, seu Team Leader cobrou o relatório atrasado, os e-mails não respondidos e o abandono de tarefas devido ao horário do seu treino na academia. A equipe havia ficado sobrecarregada. Mariana não queria saber e as conversas paralelas dos colegas só atrapalhavam sua concentração. Respirou fundo e pensou: “um dia de cada vez”. Quando o Team Leader sugeriu um workshop de gestão de estresse, Mariana simplesmente se levantou e saiu sem dar explicações.

A situação de Mariana não é um problema exclusivo dela nem apenas uma preocupação para a empresa. Estamos em uma era marcada por um paradoxo do bem-estar corporativo: as empresas desenham políticas de bem-estar, implementam práticas como mindfulness, pausas e flexibilidade, mas ao mesmo tempo impõem metas difíceis, ritmos intensos e uma cultura em que tudo é urgente.

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Por um lado, criamos ambientes onde qualquer desconforto parece insuportável – como ruídos, reuniões intermináveis, jornadas longas e falta de momentos para descompressão. Por outro, nos tornamos incapazes de lidar com frustrações e desafios comuns à vida profissional.

Ansiedade, estresse e burnout se tornaram frequentes. Surge então a pergunta: onde fica a produtividade? E os objetivos, individuais e organizacionais? Lidar com a fragilidade humana, que parece crescer cada vez mais, tornou-se um desafio diário para muitos gestores, que, às vezes, perdem de vista a máxima de que a um direito sempre está atrelado um dever.

Hoje, felizmente, temos orientações sólidas e estudos que mostram que ambientes de trabalho equilibrados e saudáveis aumentam os resultados, a satisfação e a contribuição dos colaboradores. Mas fica a dúvida: implementamos medidas de bem-estar porque as pessoas estão menos resilientes e precisamos delas no trabalho? Ou o mundo do trabalho está se reconfigurando e assumindo novas funções sociais?

O verdadeiro desafio do bem-estar corporativo

O maior desafio está na estrutura invisível do trabalho, na cultura corporativa, nas relações e até no engajamento – que podemos chamar de “amor corporativo”. Empresas que desejam genuinamente um ambiente saudável precisam adotar alguns princípios essenciais.

Rever processos e cargas de trabalho regularmente é fundamental. O problema na relação entre trabalhadores e organização nem sempre está na resiliência dos colaboradores, mas em como o trabalho está estruturado.

Reduzir burocracias, eliminar fluxos desnecessários e equilibrar a distribuição de tarefas são passos essenciais. Estratégias como o job crafting, que redesenham funções com base nas competências e preferências dos colaboradores, ajudam a aumentar o engajamento e a reduzir o estresse.

A obsessão por produtividade frequentemente resulta em metas irreais, com a ideia de que objetivos ambiciosos inspiram melhores resultados. Contudo, isso nem sempre funciona. Sabe-se hoje que essa pressão pode desmotivar e até levar ao abandono – basta lembrar de atletas que desistiram devido à pressão excessiva por resultados.

Definir metas claras, mas alcançáveis, e oferecer acompanhamento regular pode evitar que colaboradores cheguem ao limite. Modelos de trabalho híbridos e flexíveis também podem ser úteis, mas devem ser ajustados para cada realidade.

O papel crucial da liderança

Sem liderança, as organizações perdem sua estrutura. Na promoção de ambientes de trabalho saudáveis e construtivos, os líderes têm um papel crucial. Eles devem criar um ambiente onde os colaboradores se sintam valorizados, ouvidos e respeitados, sendo exemplo de inteligência emocional e boa comunicação.

Um ponto importante é a promoção da autonomia e da responsabilidade no trabalho. Dar aos colaboradores espaço para organizar suas tarefas de acordo com seu ritmo pode reduzir a ansiedade e aumentar a motivação. Para isso, é essencial confiar e delegar. Microgestão, por outro lado, tende a aumentar a frustração e inibir a proatividade.

Reconhecendo o trabalho invisível

Valorizar comportamentos que vão além da descrição de cargos, como ajudar colegas ou contribuir para um bom clima organizacional, fortalece as relações entre colaborador e empresa. Reconhecer a colaboração e os esforços individuais, e não apenas os resultados numéricos, pode resultar em equipes mais resilientes e comprometidas.

Apesar disso, é importante lembrar que trabalhadores, como Mariana, não são apenas profissionais. Suas vidas e relações ultrapassam o ambiente de trabalho. Com isso, surge a reflexão: as empresas estão criando políticas de bem-estar por real preocupação com seus colaboradores ou porque as pessoas estão mais frágeis?

Evitar ambientes tóxicos, adotar medidas reais

O bem-estar corporativo não pode ser usado como uma cortina de fumaça para esconder ambientes tóxicos. Atividades de bem-estar só têm impacto verdadeiro em um ambiente organizacional genuinamente saudável.

Políticas bem-estruturadas devem criar não apenas trabalhadores mais resistentes, mas também ambientes que promovam o equilíbrio e a saúde mental. Afinal, o bem-estar verdadeiro é um compromisso mútuo entre empresa e colaborador.

bem-estar corporativo_foto da autora

Por Isabel Moço, docente universitária nas áreas de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional desde 2001, com funções de coordenação na Universidade Europeia. Autora e coautora de várias obras e cronista em publicações da especialidade. Integra órgãos de gestão em instituições como a Santa Casa da Amadora e associações ligadas à ética e formação profissional. Coordena o HR After Work, é Embaixadora do ODS 8 em Portugal e membro de júris e conselhos editoriais nacionais e internacionais. Artigo publicado originalmente no site Human Resources Portugal.



🎧 No episódio 168 do RHPraVocê Cast, mergulhamos na discussão sobre a presença dos sentimentos emocionais no ambiente corporativo. Por que esse tema é tão espinhoso? E como as emoções afetam o engajamento, a produtividade e as finanças das empresas?

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Neste episódio, convidamos duas especialistas da Coppead/UFRJ: Paula Chimenti, Professora e Coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação, e Fernanda Souza, doutoranda e pesquisadora. Assim elas compartilham insights valiosos sobre como abordar o tema dos sentimentos emocionais nas organizações.

Confira o episódio completo. Em suma, descubra como a gestão dos sentimentos emocionais pode ser um diferencial competitivo para as empresas!

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